Crescemos em uma época em que o telefone era um aparelho fixo e não uma extensão do corpo. Brincávamos na rua até o céu ficar laranja, inventávamos jogos com os amigos, trocávamos segredos face a face, escrevíamos cartas que levavam dias para chegar ao destino. A palavra “off-line” não existia porque não havia um “on-line” para contrastar.
E então, tudo mudou. Chegou a internet discada, os primeiros celulares, as telas invadiram nossas vidas. De repente, o futuro que víamos em filmes de ficção científica estava ali, em nossas mãos, no bolso, na mesa de cabeceira. Nós, a geração 40+, adaptamo-nos. Aprendemos a digitar rápido, a navegar na web, a enviar e-mails e, mais tarde, a postar nas redes sociais. O mundo digital nos acolheu, mas não nos engoliu.
Vivemos em um tempo em que a individualidade reinava, onde não havia uma avalanche de influenciadores ditando como deveríamos parecer, vestir ou agir. Os rostos eram de verdade, as imperfeições eram marcas de identidade e não motivos para filtro ou cirurgia. Nós, quarentões, não nos rendemos a sorrisos artificiais de dentes digitalmente perfeitos, a faces harmonizadas para caber em um molde que só existe nas telas. Nossa referência não era uma estética padronizada, fabricada em massa, mas uma beleza genuína, diversa e sem a obrigação de parecer sempre perfeita.
Hoje, olhamos para a geração Y, os que vieram depois, nascidos em um mundo já completamente conectado e comandado por figuras idealizadas. Eles não conheceram a espera, a ausência, o som do silêncio sem notificações. Para eles, a resposta imediata é uma necessidade, o feed interminável é natural, e a presença constante nas redes é uma exigência social. Há beleza em tanta conexão, mas também perigo, um perigo que só nós, que vivemos o antes e o depois, conseguimos enxergar.
Somos a última geração que pode contar histórias de um mundo sem Wi-Fi e sem a busca incessante por validação estética digital. Podemos mostrar a eles o valor de uma conversa sem a intermediação de telas, o prazer de ler um livro sem a distração de mil abas abertas, e a liberdade de ser quem se é, sem se espelhar em rostos e vidas fabricadas. Talvez sejamos os únicos capazes de dizer que estar desconectado não é o mesmo que estar sozinho. Pelo contrário, desconectar-se pode ser um ato de liberdade.
E assim seguimos, intermediários entre o analógico e o digital, sentinelas de um tempo que se foi, mas que pode nos ensinar algo sobre o presente. Quem sabe, seja nossa missão dissuadir a geração que nos segue de um mundo totalmente conectado, onde a privacidade é um luxo e a desconexão, um temor. Onde a uniformidade estética se sobrepõe à autenticidade. Talvez nossa experiência com o melhor dos dois mundos seja o que vai salvar o futuro de se perder em uma rede sem fim.
Nós somos a última fronteira entre o tangível e o virtual. E, por mais tentador que seja o digital, há algo que nunca será recriado: o calor humano de um momento sem tecnologia e sem a pressão de ser perfeito. Isso, só nós podemos ensinar.
Texto de
Fernando Rocha


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